Faleceu no último domingo (19), vítima de um ataque cardíaco, o diretor Gonzaga Blota. A notícia foi divulgada pelo ator Blota Filho, sobrinho de Gonzaga, via Twitter. Atrizes como Elizabeth Savala e Priscila Camargo repercutiram a informação, em suas redes sociais, na segunda-feira (20).

Nascido em Ribeirão Bonito, interior de São Paulo, em 22 de março de 1928, Gonzaga Blota se mudou para a capital por influência do irmão Blota Júnior, notável político e apresentador de TV, com passagens por Tupi, Band e SBT. Logo, também se ligou à televisão, como ator e diretor.

O TV História reverencia Gonzaga Blota, relembrando suas parcerias com autores e diretores, em algumas das obras mais representativas da história da TV.

O primeiro trabalho de Blota como diretor foi no seriado Canal 9 contra o Senhor Espectro (1965), na Excelsior. Três anos depois, dividiu com Sérgio Britto os trabalhos de A Muralha. O texto de Ivani Ribeiro, baseado na obra homônima de Dinah Silveira de Queiróz – que também rendeu uma minissérie na Globo, em 2000 – foi convertido em uma grande produção, de cenários nababescos, externas grandiosas e cifras astronômicas para a época. ‘Muralha’ levou o Troféu Imprensa de melhor novela de 1968; também rendeu o prêmio de melhor ator a Stenio Garcia (Aimbé) e de melhor atriz para Fernanda Montenegro (Mãe Cândida). Além da estatueta de melhor diretor para Gonzaga e Sérgio. Outros dois trabalhos de Ivani, na Excelsior, também ficaram nas mãos de Blota: Os Estranhos (1969), em parceria com Gianfrancesco Guarnieri; e Dez Vidas (1969), com Guarnieri e Reynaldo Boury. Autora e diretor se reencontraram na Globo, na inesquecível Amor com Amor se Paga (1984).

A estreia de Gonzaga Blota na Globo se deu em 1972, com outro seriado de muito sucesso: Shazan, Xerife & Cia. Saiu na sequência, rumo a Tupi, onde realizou Jerônimo – O Herói do Sertão (1972), também de narrativa seriada. Ao regressar à emissora-líder, Blota foi recrutado para a equipe de Fogo Sobre Terra (1974), com Walter Avancini e David Grimberg, sob a supervisão de Daniel Filho. Foi o primeiro de quatro projetos ao lado de Janete. Ainda, Duas Vidas (1976), com Jardel Mello e o mesmo supervisor do trabalho anterior; O Astro (1977), de novo com Daniel; e Pai Herói (1979); de início com Walter Avancini, depois com Roberto Talma e Roberto Vignatti. De todas, podemos considerar O Astro, que consagrou Janete como “usineira dos sonhos” a mais bem-sucedida, em termos de realização e audiência.

Gonzaga também se encontrou com Dias Gomes, marido de Janete Clair. Foi ele quem – ao lado de Roberto Talma e Walter Avancini – conduziu a “realidade fantástica” que brotava da mente fértil do autor de Saramandaia (1976). Na fictícia Bole-Bole, João Gibão (Juca de Oliveira) criava asas, o coração saía pela boca de Seu Cazuza (Rafael de Carvalho), Professor Aristóbulo (Ary Fontoura) virava lobisomem nas noites de lua cheia, formigas habitavam o nariz de Zico Rosado (Castro Gonzaga) e Dona Redonda (Wilza Carla) explodia de tanto comer, numa cena que rendeu muita dor de cabeça aos diretores. Saramandaia ainda reuniu valores como Antônio Fagundes (Lua Viana), Yoná Magalhães (Zélia), Dina Sfat (Risoleta), Sônia Braga (Marcina) e Eloísa Mafalda (Maria Aparadeira).

Após o êxito de O Astro, Gonzaga Blota foi recrutada por Daniel Filho – parceiros, sempre! – para a substituta Dancin’ Days (1978). Aqui, também o dedinho de Janete Clair: era ela a autora do argumento desenvolvido por Gilberto Braga em sua estreia às 20h. Foi a primeira e única novela de Braga – Blota. Na equipe de direção, os novatos (e promissores) Dennis Carvalho, José Carlos Pieri e Marcos Paulo. Em cena, a presidiária Júlia Mattos (Sônia Braga), que sai da cadeia decidida a reconquistar a filha Marisa (Glória Pires); enfrenta a irmã Yolanda Pratini (Joana Fomm), que tenta casar a menina para recuperar sua saúde financeira; tem sua condicional revogada; e, quando enfim em liberdade, casa-se com um figurão, vai para o exterior e, quando retorna, abala as estruturas da discoteca que dava nome à trama.

Na sequência, Gonzaga se envolveu no audacioso (e vitorioso) projeto de reestruturação da linha de shows da Globo. Extinguiram as novelas das 22h, ocupando a lacuna na grade de programação com séries brasileiras. Responsável por Carga Pesada (1979), Blota teve o prazer de reencontrar amigos de outros tempos: Gianfrancesco Guarnieri e Dias Gomes integravam a equipe de roteiristas; Paulo José, de ‘Shazan’, auxiliava a direção. As histórias giravam em torno de Pedro (Antonio Fagundes) e Bino (Stenio Garcia), dois caminhoneiros que se aventuram nas estradas brasileiras, arrebatando corações, enfrentando bandidos da pior espécie e convivendo com as intempéries causadas pelo mau uso do dinheiro público, supostamente empregados na conservação de nossas rodovias…

Cabe mais um parágrafo para uma terceira jornada ao lado de Dias: Roque Santeiro, censurada em 1975, ganhou as telas dez anos depois, no embalo das comemorações dos 20 anos da Globo e aproveitando-se da abertura política e do enfraquecimento da Censura. A história da viúva que foi sem nunca ter sido – Porcina (Regina Duarte) – era contada em dois tempos (ao mesmo tempo): a relação dos poderosos de Asa Branca, como Sinhozinho Malta (Lima Duarte) e Zé das Medalhas (Armando Bógus), com a exploração acerca do mito de Roque Santeiro, que praticamente sustenta o município; e a gravação do filme que narra a trajetória do santo milagroso. Tudo muito bom, tudo muito bem até que Roque (José Wilker), ameaçando botar tudo a perder. Texto, direção e elenco alçaram ‘Roque’ ao posto de maior fenômeno da TV no Brasil!

Podemos tratar Gonzaga Blota por “diretor-bombeiro”. Coube a ele “apagar incêndios” como o que quase consumiu O Outro (1987). O diretor de núcleo Paulo Afonso Grisolli designou o tarimbado profissional para implantar a novela – que marcou a estreia de Aguinaldo Silva como autor-solo, às 20h -, após a saída de Marcos Paulo do posto de diretor. Trabalho feito, Blota passou a bola para Ricardo Waddington. Situação simular foi vivenciada por Gonzaga em Marron-Glacé (1979), de Cassiano Gabus Mendes, quando, ao lado de Walter Campos, substituiu Gracindo Jr e Sérgio Mattar; também corrigiu a rota de O Mapa da Mina (1993), último texto de Cassiano, prejudicado pela direção “pesada” de Denise Saraceni. Respondeu ainda por Plumas & Paetês (1980), como supervisor, enfrentando a troca de autoria – de Gabus Mendes para Silvio de Abreu, em razão de um infarto do primeiro.

Com Walther Negrão, Blota esteve em Shazan, Xerife & Cia. e na controversa Supermanoela (1974), trama que fez Marília Pêra tomar pavor de novela. Os dois se reencontraram em outra complicada produção, já na década de 1980: Negrão foi chamado para dar um jeito em O Amor é Nosso (1981) – o folhetim das 19h que, de tão ruinzinho, teria sido apagado pela Globo -, que Gonzaga dirigia assessorado por Jorge Fernando e Mário Márcio Bandarra (e Carlos Zara, na reta final). Autor e diretor ainda enfrentariam problemas de produção em Pão-Pão Beijo-Beijo (1983); esta, contudo, é sempre lembrada por seu sucesso. Assim como Fera Radical (1988), no ar no VIVA, e Tropicaliente (1994), a última trama sob seu comando. Curiosidade: em ‘Amor é Nosso’, ‘Pão-Pão’, ‘Fera’ e Tropicaliente, a presença da talentosa Cleyde Blota, esposa de Gonzaga (na foto com Older Cazarré).

Em 1974, Gonzaga Blota dirigiu O Crime do Zé Bigorna, caso especial escrito por Lauro César Muniz, que, em 1989, serviu de inspiração para o autor, então encarregado da substituta de Vale Tudo. Surgiu O Salvador da Pátria, centrada na figura de Sassá Mutema (Lima Duarte), matuto envolvido num intricado plano de Severo Blanco (Francisco Cuoco) e sua esposa Gilda (Susana Vieira), para manter inabalável a imagem do político, “homem de família”. Eis que a amante de Severo com Sassá se casa, Marlene (Tássia Camargo), é assassinada, numa trama que termina por fazer do caipira o prefeito de Tangará. Blota – que também dirigiu Espelho Mágico (1977), outro folhetim de Lauro – reencontrou aqui Denise Saraceni, colega em Fera Radical, seu trabalho anterior; e José Carlos Pieri, de Dancin’ Days.

Por fim, duas empreitadas ao lado de Benedito Ruy Barbosa, ambas às 18h: Paraíso (1982) e Voltei Pra Você (1983). Na época, Blota emendou sucessivos trabalhos na faixa: foi de O Homem Proibido (1982) a Amor com Amor se Paga, totalizando cinco produções. Em Paraíso, a história de amor de Maria Rita (Cristina Mullins), criada pela mãe para seguir a vida religiosa (tornando-se santa, se possível), e Zeca (Kadu Moliterno), cujo pai enriqueceu, supostamente, graças a um diabinho preso numa garrafa. Mullins também protagoniza Voltei pra Você; aqui, é Liliana, filha do Coronel Epaminondas (Castro Gonzaga), que anseio pelo retorno do amigo Pedro (Paulo Castelli), sem imaginar que ele está decidido a regressar à São João Del Rei, Minas Gerais, apenas para reaver as terras que o coronel lhe tomou.

Em tempo: o VIVA exibe, a partir do próximo dia 18, às 23h30 e 13h30, a minissérie O Fim do Mundo (1996). Foi o último trabalho de Gonzaga Blota – em mais uma parceria com Dias Gomes -, que se aposentou no ano seguinte, vivendo na pacata Araruama, Rio de Janeiro, até o fim da vida.


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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.