A atual novela das 19h foi encarada como uma grande aposta, em virtude de sua suntuosa produção e da presença de atrizes de grande popularidade entre o público jovem. No entanto, Deus Salve o Rei mostrou, gradativamente, que tais aspectos não eram suficientes para sustentar a trama. A falta de um enredo consistente tem levado a Globo a investir em mudanças para tentar direcionar melhor a premissa central do primeiro trabalho titular de Daniel Adjafre. Ainda assim, estas alterações parecem não surtir efeito.

A guerra entre os reinos de Montemor e Artena, que poderia representar uma grande reviravolta para a história, não rendeu o esperado. Os conflitos se resumem a embates entre a mocinha Amália (Marina Ruy Barbosa) e a vilã Catarina (Bruna Marquezine), que passou a manipular Rodolfo (Johnny Massaro) e se casou com ele, tornando-se a nova rainha de Montemor. Enquanto isso, Afonso (Rômulo Estrela), sem desconfiar de que o irmão está sendo um fantoche da megera, chegou a articular um fracassado plano para destituir o monarca do trono, do qual havia abdicado justamente em favor de Amália.

É justamente esta tentativa de tirar Rodolfo do poder que deixa clara a falha condução dos protagonistas. Como dito anteriormente aqui no TV História, o casal protagonista é extremamente egoísta e hipócrita. Afinal, como explicar que Afonso queira de volta um posto que não mais lhe pertence, ainda mais que deixou o trono para um parente completamente despreparado para tal? E Amália, que quase rompeu com ele porque não queria ser rainha e agora vem apoiar esta armação? Tais condutas jamais condizem com a imagem de mocinhos que foi vendida deles, o que torna ainda mais ingrata a missão de Rômulo Estrela e Marina Ruy Barbosa – ele está ótimo, ela, apenas correta. Impossível torcer por mocinhos assim.

Para piorar, a ambiguidade do atual rei de Montemor se desfaz aos poucos. O personagem, antes repleto de nuances que conflitavam a missão de herdar o trono com o medo de falhar, já que não se sentia à vontade para a missão, agora alterna momentos de bufão cômico, quase um bobo da corte, e vilão perverso, jogando fora os traços humanos que eram visíveis no começo do enredo. Algo lamentável, pois Johnny Massaro está ótimo desde o começo e Rodolfo tinha tudo pra ser o perfil mais rico de sua carreira.

No entanto, uma nota positiva deve ser feita sobre a atuação de Bruna Marquezine. A atriz finalmente largou o tom robótico e gélido dos primeiros capítulos e está bem mais segura em cena, adotando um tom mais naturalista – favorecido pelos novos passos da história de Catarina, agora assumidamente uma mulher manipuladora.

Os núcleos paralelos continuam tão desinteressantes quanto o principal e o caso mais evidente é a trama de Selena (Marina Moschen). Inicialmente destinada a mostrar o empoderamento da garota ao entrar para a Academia Militar de Montemor e os seus dons sobrenaturais ao lado da bruxa Brice (Bia Arantes), a história da garota agora se resume a um cansativo quadrado amoroso.

Primeiramente envolvida com Ulisses (Giovanni de Lorenzi), a guerreira acabou se aproximando de Saulo (João Vithor de Oliveira) e, agora, de Tiago (o inexpressivo Vinícius Redd), diluindo o objetivo inicial do núcleo. Tem-se a impressão de que o entrecho está sendo podado em virtude do investimento no núcleo principal. Da mesma forma, o núcleo de Lucrécia (Tatá Werneck) se tornou um conjunto de esquetes repetitivas no convento, após a personagem perder sua função depois de sua separação de Rodolfo, agora casado com Catarina.

Ainda assim, chama atenção um curioso detalhe: para proceder as intervenções, a Globo chamou justamente o veterano Ricardo Linhares para atuar como supervisor do enredo. O autor foi parceiro titular de Aguinaldo Silva em obras clássicas como Tieta (1989-90) e Pedra Sobre Pedra (1992) e supervisor de texto das ótimas Cheias de Charme (2012) e Rock Story (2016-17), mas suas novelas como autor solo (Meu Bem Querer (1998), Agora é Que São Elas (2003) e o remake de Saramandaia (2013)) nunca fizeram grande sucesso e, ainda por cima, foi um dos autores da péssima Babilônia (2015), ao lado de Gilberto Braga e João Ximenes Braga.

Para piorar, também foi chamado a intervir na esquecível A Lei do Amor (2016-17), de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, cujo enredo havia sido descaracterizado em virtude da baixa audiência e, com a entrada dele, piorou de vez – o que não isenta os titulares de responsabilidade pelo fracasso. Como justificar a escolha de um autor com mais erros que acertos na carreira justamente para ajudar a melhorar outra novela? Difícil compreender.

Em termos de audiência, Deus Salve o Rei não chega a fazer feio: tem média de 25 pontos, um bom número, embora inferior aos 29 da igualmente insossa antecessora Pega Pega (2017-18). No entanto, a novela continua não fazendo jus à pesada aposta feita pela Globo em sua estreia. Com um enredo central maçante, sem estofo, protagonistas cansativos, núcleos paralelos praticamente inúteis e uma ausência quase total de veteranos, a atual novela das sete tem sido a maior decepção entre as atuais inéditas. Uma pena, pois prometia muito.


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