O drama da gente

A Vida da Gente – novela de estreia de Lícia Manzo, com direção geral de Jayme Monjardim e Fabrício Mamberti, originalmente exibida entre 2011 e 2012 – está de volta no horário das 18 horas da Globo, a partir dessa segunda-feira (01), em Edição Especial. Nunca antes uma novela priorizou tramas psicológicas e diálogos em detrimento da ação. Isso lhe rendeu o apelido de novela DR (discussão de relação). Explico.

A maioria dos capítulos trouxe diálogos de dois personagens em que se discutia o sentimento ou comportamento de outro. Foi quando a autora fez uso do personagem orelha – outro jargão novelístico aplicado à novela -, aquele que pode até aconselhar e discutir, mas, acima de tudo, ouve, fazendo o papel do público.

É como se o personagem estivesse refletindo sobre seus atos diretamente com o telespectador. Isto trouxe um problema: a novela ficou cansativa em determinados momentos – principalmente quando não havia nenhuma ação para acontecer -, o que causou a sensação de “barriga” (momento na trama em que nada acontece).

A trama – elogiadíssima pela texto acima da média – ao mesmo tempo em que emocionou a muitos, também provocou o efeito contrário em outros, que concordaram com a alcunha de angustiante dada pelo Ministério da Justiça em novembro de 2011, quando o órgão reclassificou a novela para “não recomendada para menores de 10 anos”.

Várias vezes, diante de tantos dramas, a novela passou mesmo aquela sensação de tristeza exagerada. Faltou um maior “alívio cômico”, aquele momento em que o telespectador respira entre um drama e outro. Personagens como Seu Wilson (Luiz Serra), Nanda (Maria Eduarda Carvalho), Cris (Regiane Alves) e Jonas (Paulo Betti) foram responsáveis por situações engraçadas, mas que não foram suficientes diante de tanto sofrimento nos demais núcleos.

O sucesso entre os defensores de A Vida da Gente – e o grande diferencial da novela – está no mérito de ela se embasar no naturalismo em detrimento do maniqueísmo. Somados a isso, um texto sensível, emocionante, com personagens com que o público pudesse facilmente se identificar.

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Audiência x qualidade

Que audiência e qualidade nem sempre andam juntos, todos sabem. A Vida da Gente foi mais uma prova disso. Na época da exibição original, a novela pegou o temido período de horário de verão (com o combo festas de fim de ano + carnaval), em que as pessoas preferem ficar até mais tarde na rua do que ligar a TV às 18 horas.

Isto repercutiu na novela: a média geral de A Vida da Gente fechou nos 22 pontos no Ibope da Grande São Paulo, menor que as últimas cinco produções antecessoras no horário.

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Mas vamos falar de coisa boa?

Fotografia, cenários, locações, tomadas, caracterizações, figurinos, direção de arte, trilha sonora… Não tem o que colocar defeito: tudo muito bonito, de bom gosto e condizente com a proposta da novela.

Direção de atores segura e um elenco irrepreensível. A disputa que se viu nas redes sociais entre os que defendiam Ana (Fernanda Vasconcellos) #TeamAna – e os que torciam por Manu (Marjorie Estiano) #TeamManu -, movimentou o interesse pela novela mais do que seu próprio ibope. E isso só ocorreu graças ao texto de Lícia Manzo e ao talento das atrizes protagonistas.

Ana Beatriz Nogueira e Gisele Fróes deram um show de interpretação vivendo vilãs humanas, cada uma dentro de sua loucura. Nicette Bruno – como Iná – interpretou uma de suas melhores personagens na TV. Maria Eduarda Carvalho – a Nanda – foi a revelação, fazendo rir e emocionando o público – mérito também do texto afiado da autora.

Rever a história de Lícia Manzo vai ser bom. Vale a pena um novo olhar à trama e aos personagens, com mais atenção aos diálogos. Com distanciamento no tempo, poderemos confirmar se a alcunha de angustiante foi justa ou não.

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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