Encantadora do início ao fim, Orgulho e Paixão foi a melhor novela de 2018
20/03/2021 às 12h49
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A primeira novela de Marcos Berstein como autor apresentou diversos problemas. Além do Horizonte, exibida em 2013 na faixa das sete, foi um folhetim ousado e sofreu várias mudanças em virtude da baixa audiência – conseguindo ficar atrativa da metade para o final. O escritor desenvolvia a trama em parceria com Carlos Gregório e já havia trabalhado com João Emanuel Carneiro no roteiro do aclamado filme Central do Brasil (1998) e na ótima série A Cura (2010). Chegou a ser também colaborador de Lícia Manzo na primorosa A Vida da Gente (2011). Após as experiências citadas, Marcos recebeu a missão de escrever um enredo como autor principal na Globo. Assim nasceu a deliciosa Orgulho e Paixão, que estreava há exatamente três anos, em 20 de março de 2018.
A estreia do autor em um trabalho solo não poderia ter sido melhor. Berstein foi muito inteligente em adaptar vários romances de sucesso da escritora inglesa Jane Austen em uma só novela, aproveitando todo o potencial que livros como Razão e Sensibilidade (1811), Orgulho e Preconceito (1813), Mansfield Park (1814), Emma (1815), A Abadia de Northanger (1818) e Lady Susan (1871) poderiam render. E como renderam bem. Ele inseriu vários personagens marcantes da autora em sua criação e conseguiu mesclá-los com outros novos perfis através um enredo bem construído e desenvolvido com habilidade, cuja maior qualidade foi o ritmo ágil. O telespectador não podia se dar ao luxo de perder um ou dois capítulos na semana.
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A trama esteve recheada de personagens carismáticos e casais apaixonantes. Aliás, nunca antes um folhetim conseguiu apresentar tantos romances encantadores juntos. Não faltou par para shippar e Berstein fez questão de destacar cada um através ciclos que se abriam e fechavam dentro do enredo. Tanto que foram vários casamentos realizados bem antes das últimas semanas de novela. E, quase sempre, quando há casório na ficção antes do final é porque haverá alguma desgraça ao longo dos meses. Não foi o caso da trama das seis.
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As cerimônias muitas vezes serviam como um elemento vital para o prosseguimento do conflito dos pares, vide o caso de Cecília (Anaju Dorigon) e Rômulo (Marcos Pitombo), que precisaram enfrentar as maldades de Tibúrcio (Oscar Magrini) e Josephine (Christine Fernandes) na Mansão do Parque. Jane (Pâmela Tomé) e Camilo (Maurício Destri) são outros bons exemplos, pois o casal encarou as dificuldades financeiras em virtude da retaliação da então amarga Julieta (Gabriela Duarte).
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A história teve leveza, comédia e dramaticidade bem equilibradas, explorando com astúcia todas essas características e proporcionando para o telespectador uma sucessão de atrativos acontecimentos ao longo de seis meses. Os mocinhos Darcy Williamson (Thiago Lacerda) e Elisabeta Benedito (Nathalia Dill) tiveram uma boa química e passaram por várias provações, fazendo jus ao bom dramalhão. Mas eram perfis inteligentes e ativos. Nunca recuaram diante dos vilões e as separações do casal não duravam muito tempo justamente por causa da rápida descoberta das armações de seus algozes. A constante movimentação do enredo, inclusive, proporcionou um rodízio de vilanias. Inicialmente, Susana (Alessandra Negrini) e sua fiel escudeira Petúlia (Grace Gianoukas) eram as responsáveis pelas maldades (várias delas cômicas) e depois cederam lugar para o intransigente Lorde Williamson (Tarcísio Meira em uma luxuosa participação, que infelizmente precisou ser interrompida por uma infecção pulmonar do ator).
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A chegada da poderosa Lady Margareth (Natália do Vale em um de seus melhores momentos) resultou em uma das maiores viradas da novela e a perua inglesa que odiava o Brasil logo virou a grande vilã da história, praticando maldades em quase todos os núcleos. Era uma víbora bem maniqueísta daquelas que o público ama odiar.
Todavia, houve espaço também para personagens complexos. Julieta Bittencourt foi o melhor papel da carreira de Gabriela Duarte, conseguindo empatar com a mimada Maria Eduarda, de Por Amor (1997). A Rainha do Café parecia uma víbora no início do enredo, mas aos poucos o público foi conhecendo o lado humano e o passado sofrido da poderosa mulher que se defendia com um tom arrogante e autoritário. Seus conflitos com Camilo resultavam sempre em grandes cenas e a descoberta do amor – através da relação com Aurélio – serviu como um desarme, após longos anos vivendo um luto pela sua própria dor, física e emocional.
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Vale mencionar, inclusive, a habilidade que o criador do enredo teve para abordar questões atuais em uma novela de época. Mesmo ambientada em 1910, Orgulho e Paixão conseguiu explorar o empoderamento feminino, o machismo, a homossexualidade, a violência contra a mulher e outros assuntos importantes de forma muito mais competente que vários folhetins que passavam na mesma época, como Segundo Sol, por exemplo.
Porém, nem tudo deu certo, como é normal em qualquer folhetim. O núcleo protagonizado por Jorge (Murilo Rosa) e Amélia (Letícia Persiles) ficou avulso em virtude do sucesso do casal Erma. O intuito era colocar Jorge como par de Ema, assim como no livro de Jane Austen, mas o improvável funcionou infinitamente melhor e o advogado perdeu a função. Tanto que Amélia morreria logo no início para o romance do personagem seguir com a filha de Aurélio. O autor decidiu deixá-la viva para fazer companhia a Jorge, mas eles não tiveram enredo. A apreensão por causa da doença dela não era o bastante para despertar interesse. Junto com eles, inclusive, Mariko (Jaqueline Sato) também acabou deslocada, assim como Tenória (Priscila Marinho) e Estilingue (JP Rufino vivendo mais um tipo igual aos últimos que interpretou) – ao menos o enredo da empregada ser filha do Barão de Ouro Verde acabou deslanchando na reta final. Outro erro foi a escalação de Ricardo Tozzi para viver Xavier. O ator é fraco e não convenceu na pele do vilão, embora o perfil tenha sido interessante e movimentado o roteiro. Mas foram erros muito pequenos e não atrapalharam em nada o conjunto harmonioso da produção.
Orgulho e Paixão foi uma trama despretensiosa, leve, inteligente e desenvolvida com maestria por uma equipe que transpareceu o amor que sentiu pela produção. Um sucesso de público e crítica. Marcos Berstein escreveu simplesmente a melhor novela de 2018 e soube apresentar uma história perfeita para a faixa das 18 horas. A média geral foi de 22 pontos – um ótimo índice, levando ainda em consideração o Horário Eleitoral na reta final – e merecia muito mais. Tudo o que se espera de um folhetim desse horário foi apresentado com extremo capricho pelo autor, que criou vários personagens encantadores e romances açucarados cativantes. A saudade já se faz presente e essa deliciosa história ficará na memória do público. Jane Austen com certeza estaria feliz.